quinta-feira, 21 de abril de 2022

Se complicou: STF condena Daniel Silveira a 8 anos de prisão em regime fechado

 

O Supremo Tribunal Federal (STF) condenou o deputado Daniel Silveira (PTB-RJ) a 8 anos e 9 meses de prisão no regime fechado, pagamento de multa de R$ 192,5 mil, além da perda do mandato parlamentar – punição que, para ser efetivada, ainda precisa de aval da Câmara.

No julgamento, apenas o ministro Kassio Nunes Marques, revisor da ação penal, votou pela absolvição, divergindo do relator, Alexandre de Moraes, cujo voto obteve adesão da maioria. André Mendonça votou pela condenação, mas a uma pena menor, de 2 anos e 4 meses no regime aberto, com multa de R$ 91 mil. O placar da condenação, assim, ficou em 10 a 1.

A maioria culpou Silveira por dois crimes: coação no curso do processo, que consiste em “usar de violência ou grave ameaça contra alguma autoridade, a fim de favorecer a interesse próprio num processo judicial ou policial”; e também por abolição violenta do Estado Democrático de Direito, definido como “tentar, com emprego de violência ou grave ameaça, abolir o Estado Democrático de Direito, impedindo ou restringindo o exercício dos poderes constitucionais”.

Ainda cabem recursos ao próprio STF contra a condenação, chamados embargos de declaração, que são julgados pelo próprio plenário e visam esclarecer obscuridades, contradições ou omissões.

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O cumprimento da pena só é determinado quando ocorre o trânsito em julgado, após a rejeição desses recursos. Precedentes do STF apontam que isso ocorre após a decisão contrária aos segundos embargos de declaração, caso todos eles sejam julgados totalmente improcedentes e considerados protelatórios, que buscam apenas arrastar o processo. Só depois disso, a Câmara é comunicada para votar a perda do mandato.

Por outro lado, a decisão desta quarta, pela condenação, já poderá enquadrar Silveira na Lei da Ficha Limpa, o que frustra seus planos de candidatar-se ao Senado neste ano. Se tentar registrar sua candidatura, em agosto, a Justiça Eleitoral poderá declarar a inelegibilidade.

Para condenar Silveira, o entendimento da maioria foi de que as declarações do deputado, em vídeos publicados entre 2020 e 2021 nas redes sociais, tiveram por objetivo intimidar os ministros, uma vez que Silveira já era investigado na Corte por “atos antidemocráticos”.

A defesa pediu a absolvição no processo, alegando que não havia uma ameaça concreta, porque Silveira nunca foi nem esperava ser favorecido por causa de suas declarações, que incluíam insultos, imputação de crimes e defesa da cassação dos ministros.

O voto de Alexandre de Moraes, relator

Em seu voto, Alexandre de Moraes destacou várias falas de Silveira, especialmente uma em que ele dizia querer “que o povo entre dentro do STF, agarre o Alexandre de Moraes pelo colarinho dele, sacuda aquela cabeça de ovo dele e jogue dentro de uma lixeira”.

Para o ministro, ao contrário do que alegou a defesa, declarações como essas não seriam “jocosas”, “críticas” ou de “desabafo”, mas seriam criminosas por conterem ameaças.

“A liberdade de expressão existe para manifestação de opiniões contrárias, jocosas, sátiras, para opiniões errôneas, mas não para opiniões criminosas, discurso de ódio, atentado ao Estado Democrático de Direito”, disse o ministro.

Ele ainda citou, no voto, a defesa que Silveira teria feito do AI-5, medida mais dura do regime militar que cassou ministros do STF. “O réu citou de modo expresso a necessidade de modo expresso a necessidade de retorno do AI-5, com a cassação de ministros da Corte, com a provocação de uma ruptura institucional. Essa conduta é gravíssima”, afirmou.

A maioria seguiu Moraes e, em seus votos, mais curtos, passaram recados de que manifestações violentas contra as instituições, especialmente o STF, não podem ser admitidas pela liberdade de expressão nem estão protegidas pela imunidade parlamentar.

“É pacifico nesta Corte e no mundo em geral que a liberdade de expressão não é um direito absoluto e precisa ser ponderada com outros valores e direitos constitucionais, inclusive a democracia, o funcionamento das instituições e a honra das pessoas. E a imunidade parlamentar como igualmente acentuou o ministro Alexandre de Moraes, não é um salvo conduto para a prática de crimes sob pena de se transformar, o Congresso Nacional em um esconderijo de criminosos”, afirmou Luís Roberto Barroso.

“O que estamos a julgar, ao fim, é a defesa da democracia no nosso país. O que estamos aqui a decidir é a defesa do estado democrático de direito. Não é a defesa de um ministro ou conjunto de ministros”, afirmou Dias Toffoli depois.

Votos divergentes, de Kassio Marques e André Mendonça

Em seu voto pela absolvição, Kassio Marques disse que as ofensas e supostas ameaças do parlamentar contra os ministros, divulgadas em vídeo no ano passado, não tiveram o potencial de intimidá-los, como acusou a Procuradoria-Geral da República (PGR).

“Não se evidencia ameaça capaz de concretamente causar mal presente, quanto mais futuro. As expressões, consideradas graves ameaças, pretendendo hostilizar o Judiciário, jogar um ministro dentro da lixeira, retirar um ministro na base da porrada, nada mais são que ilações, conjecturas inverossímeis, sem eficiência e credibilidade, incapazes, portanto, de intimidar quem quer que seja, não passando de bravatas”, disse o ministro.

Kassio Marques criticou as declarações de Silveira, sobretudo por ser um parlamentar,  “extrapolou e muito, à toda a evidência, os limites do tolerável”. Mas disse que não passaram de bravatas.

“A lei exige que a ameaça seja capaz de causar mal injusto e grave. De ser mal grave, sério e concretizável. O que se vê aqui são bravatas que, de tão absurdas, jamais serão concretizadas. É certo que o que o acusado fez é difícil de acreditar, especialmente partindo de um parlamentar federal, de quem se espera um mínimo de postura e respeito”, disse.

André Mendonça, o terceiro a votar, divergiu de Moraes quanto à condenação pelo crime de abolição violenta do Estado Democrático de Direito. Trata-se de um tipo penal novo, inserido no Código Penal no ano passado e de redação semelhante, mas não idêntica, a um crime da extinta Lei de Segurança Nacional, pela qual Silveira havia sido denunciado.

Para Mendonça, Silveira só poderia ser condenado por esse crime caso suas declarações efetivamente tivessem impedido ou restringido o exercício dos poderes constitucionais, o que não ocorreu, em seu entendimento. Por outro lado, considerou que ficou configurada a coação no curso do processo, ainda que o deputado não tenha sido favorecido pelas ameaças.

Ele também cobrou uma postura dura da Corte contra ataques verbais a autoridades de outros poderes. “Assim como o Supremo merece e deve ser respeitado, essas outras instituições também merecem e devem ser respeitadas, sob pena de haver desequilíbrio no tratamento das questões que envolvem cada poder”, disse Mendonça.

O que disse a defesa de Daniel Silveira

Na sustentação oral em defesa de Daniel, o advogado Paulo Faria disse que as falas do deputado contra os ministros da Corte eram críticas.

“Se tratavam de críticas. Ninguém pode ser punido, criminalizado, por ter proferido críticas. Ácidas, sim. Mas que se busque [condenação por] calúnia, difamação e injúria. Em nenhum momento, nenhum dos ministros procedeu a qualquer representação. É a prova de que não houve esse exagero”, afirmou o advogado na tribuna do STF.

Ele também apontou uma série de abusos e ilegalidades que teriam sido cometidas no processo. Ressaltou que os ministros da Corte, como vítimas das ofensas, não poderiam assumir o papel de julgadores. “A Constituição veda o tribunal de inquisição. Quando se viola o sistema acusatório, viola-se a Constituição. Me estranha as vítimas serem os próprios julgadores de quem supostamente cometeu o crime”, disse o advogado.

Ele também questionou a prisão do deputado – de ofício, sem pedido prévio do Ministério Público ou da Polícia Federal –; seu prolongamento por quase um mês e depois sua renovação – o próprio STF já afirmou que não cabe prisão preventiva de parlamentares; e ainda a imposição de tornozeleira eletrônica sem aval da Câmara.

Em relação às falas de Daniel Silveira, o advogado também disse que eram jocosas e, por isso, não poderiam ser punidas. “Todas as pessoas que falam besteira, chamando o presidente de genocida com vídeos na internet, devem ser presas? Não. Não, porque é liberdade de expressão”, disse Paulo Faria.

O que afirmou a PGR

Antes da defesa e representando a PGR, a subprocuradora Lindôra Araújo pediu a condenação, pedindo a substituição do crime denunciado, da extinta Lei de Segurança Nacional, pelo crime de abolição do Estado Democrático de Direito.

Durante sua sustentação, ela também tentou argumentar que as falas de Daniel Silveira não estão abarcadas pela imunidade parlamentar, prorrogativa prevista na Constituição que diz que “deputados e senadores são invioláveis, civil e penalmente, por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos”.

Ela disse que um discurso que incentiva e instiga à violência, “atingindo membros de instituições essenciais ao funcionamento do Estado, não encontra amparo constitucional”.

“A Constituição, com efeito, exclui do circuito constitucional e deslegitima condutas e discursos que, apostando na violência ou na grave ameaça, substituem o método democrático de regular desenvolvimento da política constitucional por um modus operandi contrário à dignidade do ser humano e à sua integridade física e ou moral”, disse a subprocuradora.

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